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LORENA DOS SANTOS CASTRO

Título da Tese: Contribuições para a avaliação do significado biológico de atividades antioxidantes medidas em sistemas químicos

 

Orientador:  Prof. Dr. Adelar Bracht

Data da Defesa: 25/09/2020

 

RESUMO GERAL

 INTRODUÇÃO
A procura e a descrição de novos compostos ou extratos de origem biológica
com atividades antioxidantes (i.e., com potencial capacidade de sequestrar
espécies reativas de oxigênio) têm sido muito intensa. Grande número de alimentos, aditivos alimentares e formulações terapêuticas têm sido escrutinadas em busca deste tipo de atividade. O procedimento padrão na caracterização da
atividade antioxidante consiste em testes de natureza química utilizando um dos
muitos procedimentos existentes. A real significância biológica, evidentemente,
fica dependente de experimentos específicos, mas também está atualmente sendo objeto de intensa atividade de pesquisa. O presente trabalho insere-se precisamente neste último contexto: trasladar observações em sistemas químicos para sistemas biologicos. O alvo biológico ideal é o sistema in vivo. Sua complexidade, no entanto, torna desejável a utilização de sistemas biológicos mais simples para testes preliminares. Neste último sentido, parece natural analisar justamente aquelas organelas que representam, provavelmente, o principal sítio gerador de espécies reativas de oxigênio: as mitocôndrias. Embora ainda não exista uma medida precisa da contribuição destas organelas para a produção celular total das espécies reativas de oxigênio, nenhum outro compartimento ou sistema enzimático apresenta uma rede molecular tão extensa de grupos químicos e reações que favorecem sua formação. A atividade sequestradora de radicais livres pode ser medida em mitocôndrias isoladas usando indicadores fluorescentes, por exemplo, sendo possível obter indicadores quantitativos da potência de um determinado sequestrador. Inexiste até o presente momento, como prática usual ao descrever uma nova substância ou um novo extrato, fazer uma comparação da sua capacidade sequestradora
de espécies reativas de oxigênio em mitocôndrias com aquela em sistemas
químicos. Isto seria altamente desejável, no entanto, pois pode fornecer informação preliminar importante sobre a possível significância biológica de um teste positivo realizado num sistema químico antes da realização de experimentos in vivo, que são muito mais trabalhosos e caros. De fato, avaliar a atividade antioxidante de um composto ou extrato in vivo apresenta alguns desafios. O principal deles é que o estado oxidativo de organismos saudáveis está sob rígido controle, tornando difícil observar alterações. Estados patológicos com frequência causam alterações no estado oxidativo, no entanto, as quais se espera poderem ser amenizadas por antioxidantes fornecidos exogenamente. A artrite reumatoide, por exemplo, doença crônica caracterizada
por um comprometimento das articulações e inflamação sistêmica, apresenta
igualmente modificações substanciais do estado oxidativo em vários órgãos. Experimentos em modelos animais da doença (e.g., artrite induzida por adjuvante em ratos) revelaram substanciais alterações nos marcadores de estresse oxidativo no plasma e em vários tecidos, incluindo fígado, coração e cérebro. Existe um consenso universal de que a ingestão de espécies moleculares capazes de eliminar os radicais livres (antioxidantes) em alimentos ou suplementos alimentares pode, ao menos em parte, re-equilibrar o estado oxidativo alterado por doenças como a artrite. A literatura é rica em confirmações deste postulado, principalmente em experimentos com animais. No entanto, em geral, um número limitado de doses de compostos puros ou extratos têm sido administradas em tais estudos, o que pode ter causado lacunas e conclusões errôneas, principalmente se levarmos em conta que agentes antioxidantes, com frequência e dependendo da concentração e das condições reinantes, podem também exercer efeitos pro-oxidantes.
OBJETIVOS
Baseado no que foi exposto acima, o presente trabalho possui dois objetivos:
1) comparar a capacidade de sequestrar radicais livres de um grupo selecionado de antioxidantes em mitocôndrias de fígado de rato com aquela observável em pelo menos três sistemas químicos entre os mais comumente utilizados; 2) analisar os efeitos de pelo menos um dos antioxidantes selecionados sobre o estado oxidativo de ratos com artrite induzida por adjuvante, administrando uma ampla faixa de doses, de modo a poder estabelecer relações dose-efeito.
MATERIAL E MÉTODOS
Os antioxidantes selecionados foram 16: ácido L-ascórbico, 2(3)-t-butil-4-
hidroxianisol (BHA), butil-hidroxitolueno (BHT), ácido caféico, ácido clorogênico,
ácido p-cumárico, epicatequina, eugenol, ácido ferúlico, propil galato, quercetina, rutina, timol, ácido vanílico, ácido gálico e resveratrol. Todos estes compostos são encontrados em alimentos, bebidas, formulações terapêuticas e aditivos alimentares e são normalmente consumidos em âmbito mundial. Amplas faixas de comcentração (10-7 a 10-3 M) de cada antioxidante foram utilizadas como estratégia para detectar eventuais efeitos antagônicos (e.g., estimulação ao invés de inibição) sobre a produção de radicais livres e sobre o consumo de oxigênio em mitocôn-drias. A geração de espécies reativas de oxigênio em mitocôndrias de fígado de rato, induzida pelos substratos -cetoglutarato e succinato, foi determinada espec-trofluorimetricamente usando diclofluoresceina diacetato como indicador. A respiração mitocondrial foi monitorada polarograficamente. Os métodos químicos de avaliação da capacidade antioxidante foram: (a) sequestro de radicais ABTS+ (ácido 2,2’-azino-bis-3-etilbenzotiazolino-6-sulfônico); (b) sequestro de radicais DPPH (1,1-difenil-2-picril-hidrazil), e (c) redução de íons férricos (FRAP; FeCl3 na presença de 2,4,6-tripiridil-triazina [TPTZ]). Os experimentos in vivo foram feitos com administração oral de resveratrol a ratos machos Holtzman (180 a 210 g). Nestes ratos, o adjuvante completo de Freund (Mycobacterium tuberculosis inativado pelo calor, derivado da cepa humana H37Rv) foi usado para induzir a artrite. O resveratrol foi escolhido para os experimentos por ser um dos antioxidantes naturais mais consumidos e investigados.
O composto foi administrado diariamente por via oral a ratos saudáveis e
artríticos durante um período de 23 dias em doses que variaram entre 10 a 200
mg por kg de peso corporal. Vários marcadores oxidativos e inflamatórios foram
avaliados no plasma e no cérebro de animais controle e artríticos como as atividades da mieloperoxidase, catalase, superóxido dismutase e xantina oxidase, o conteúdo de grupos tióis e marcadores secundários de lesão oxidativa como substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico e grupos carbonila de proteínas. Foram determinados também a capacidade antioxidante plasmática por meio dos ensaios ABTS e FRAP, os níveis de albumina sérica e a capacidade do resveratrol em sequestrar radicais livres em mitocôndrias isoladas do cérebro. Todos os procedimentos experimentais foram previamente aprovados pelo Comitê de Ética de Experimentação Animal da Universidade de Maringá.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos 16 antioxidantes selecionados, 6 deles aumentaram a produção de
radicais livres em mitocôndrias de fígado de rato ao menos numa certa faixa de
concentração: ácido ascórbico, BHA, BHT, ácido vanílico, ácido caféico e ácido
gálico. Os três primeiros estimularam em toda a faixa de concentração, mas os
três ultimos tornaram-se inibidores da produção de radicais livres na faixa mais
elevada de concentração. Os demais agiram como inibidores, mas com potências muito distintas. Vários comportaram-se como inibidores do metabolismo energético em concentrações que causaram 50% de diminuição da produção de radicais livres. Os melhores inibidores da produção de radicais livres em mitocôndrias de figado de rato, a julgar principalmente pelos valores de IC50, foram resveratrol  ácido clorogênico > epicatequina > rutina > ácido ferúlico. Houve uma correlação significativa, mas não perfeita (r = 0,643), entre a inibição da produção de radicais livres induzida pelo -cetogluratato e pelo succinato. Não foi encontrada correlação entre a atividade sequestradora de radicais livres em mitocôndrias e o número de hidroxilas fenólicas em cada composto. Todos os 16 compostos agiram como sequestradores de radicais livres nos três ensaios químicos utilizados, com potências diversas. Mas, nenhuma correlação foi encontrada entre a potência antioxidante em mitocôndrias e as corrrespondentes potências nos três sistemas químicos testados. Quantificação da atividade sequestradora de radicais livres de determinado composto por métodos químicos, portanto, apenas excepcionalmente irá informar sobre sua real força de atuação em mitocôndrias.
Com relação ao tratamento de ratos artríticos com resveratrol, importantes
efeitos foram a normalização da atividade plasmática da mieloperoxidase (marcador inflamatório), normalização da atividade da xantina oxidase (fonte de espécies reativas de oxigênio) e uma quase-normalização da atividade da catalase no tecido cerebral (defesa antioxidante). Estes efeitos revelaram-se dose-dependentes na faixa de até 200 mg/kg. O resveratrol também reduziu os danos a proteínas e lipídios encontrados nos ratos artríticos e sua atividade sequestradora de radicais livres em mitocôndrias de cérebro foi mais acentuada nas organelas de ratos artríticos. A atividade sequestradora de radicais livres em mitocôndrias de cérebro por parte do resveratrol foi menos potente do que aquela observada em mitocôndrias de fígado. O resveratrol não preservou os níveis de albumina e grupos tiol plasmáticos em ratos artríticos. Mas, estes últimos foram substancialmente aumentados em ratos normais (doses até 50 mg/kg), uma indicação de atividade antioxidante. O fenômeno foi revertido por doses maiores, um sinal, possivelmente, de atividade pro-oxidante.
CONCLUSÕES
Compostos caracterizados como agentes antioxidantes em sistemas
químicos podem exibir um comportamento muito complexo em mitocôndrias.
Nestas organelas eles não irão atuar necessariamente como inibidores da produção de radicais livres, podendo inclusive atuar como estimuladores. Além disto, poderão afetar o consumo de oxigênio em concentrações que também afetam a produção de radicais livres. Dados obtidos em sistemas químicos representam certamente um bom guia para a possível existência de efeitos antioxidantes em sistemas biológicos. Mas, confirmação em sistemas biológicos são indispensáveis, sobretudo em relação à potência com a qual estes efeitos são exercidos. O resveratrol exerceu efeitos complexos sobre o estado oxidativo de ratos artríticos e saudáveis. Em ratos artríticos, de um modo geral, o composto atenuou o estresse oxidativo e a inflamação. Os efeitos dependeram nitidamente da dose administrada. Em termos gerais, estas observações concordam com a noção geral de que em doses baixas o resveratrol poderia ser útil como adjuvante das drogas anti-reumáticas convencionais. O resveratrol também atuou em ratos saudáveis, tendo sido possível detectar efeitos anti- e pro-oxidantes, estes últimos nas doses maiores. Este trabalho revela a importância de trabalhar com uma ampla faixa de doses de antioxidantes, já que efeitos antagônicos podem manifestar-se in vivo em faixas distintas e de dificil previsão.
Palavras chaves: ampla faixa de doses, antioxidantes, artrite, mitocôndrias.

 

Artigos Publicados Vinculados a Tese:

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/bcpt.13475